Ao longo de vários meses temos vindo a enfatizar o papel crítico da Liderança Estratégica nas organizações, a necessidade de o encarar como um processo vivo e dinâmico, que deve mobilizar a equipa de gestão para a construção de uma diferenciação estratégica almejada, deliberadamente prosseguida e continuamente revista.
Há
dias cruzei-me com um texto, do livro “The Strategist” de Cynthia A. Montgomery
(de 2012), muito interessante. Cynthia A. Montgomery é professora de Business
Administration na Harvard Business Scholl há vinte anos, tendo estado à frente
da Strategy Unit da Universidade.
Neste
livro ela professa, logo na introdução, a necessidade de se rever o conceito de
estratégia. No seu ponto de vista, “está na altura de abordar a estratégia de
uma forma diferente e de transformar uma actividade mecânica e analítica num processo
mais profundo, mais significativo e, de longe, mais gratificante para um
líder”.
Intelectualmente
honesto é reconhecer que, ao longo do tempo, “em muitos aspectos, a estratégia
tornou-se o bailado dos especialistas – legiões de graduados do MBA e
consultores de estratégia, armados com quadros conceptuais, com técnicas e
dados – interessados em ajudar os gestores a analisarem os seus respectivos
ramos de actividade, ou a posição das suas empresas, com vista a obterem uma
vantagem estratégica.” Em consequência, “a estratégia passou a prender-se mais
com a formulação do que com a implementação, e mais com a obtenção da análise
correcta inicial do que com a convivência com uma estratégia ao longo do tempo.
Só
muito depois desta mudança compreendi plenamente o que tinha acontecido. Era um
clássico Shakespeare: Como numa peça, tínhamo-nos tornado vítimas das nossas
próprias maquinações. Tínhamos feito com que a estratégia descesse do seu lugar
do topo nas organizações para se tornar numa função especializada. Desejando
um novo ideal, tínhamos perdido de vista o valor daquilo que tínhamos – a
riqueza da capacidade de julgar (ou de formular uma decisão), a continuidade do
objectivo, a vontade de comprometer a organização com um determinado caminho.
Cheios de boas intenções, tínhamos encurralado a estratégia e tínhamo-la
reduzido a um mero exercício intelectual. Ao fazê-lo, perdemos uma grande parte
da sua vitalidade e muita da sua relação com a vida quotidiana de uma empresa
e, ao mesmo tempo, perdemos de vista aquilo que é necessário para a conduzir.”
Mais
há frente refere: “Uma grande parte dos líderes actuais não percebe a contínua
e intima relação entre a liderança e a estratégia. Estes dois aspectos daquilo
que os líderes fazem, outrora estreitamente ligados, desenvolveram-se em
separado. Os especialistas dos nossos dias ajudam os gestores a analisar as
suas empresas e a posicionarem os seus negócios em função da vantagem
competitiva, pelo que a estratégia se tornou, em grande medida, uma tarefa de
especialistas ou algo que está confinado ao planeamento anual. Nesta
perspectiva, uma vez identificada a estratégia e definidos os passos seguintes,
dá-se por terminada a tarefa do estratega. Tudo o que resta fazer é implementar
o plano e defender a vantagem competitiva sustentável que ele forjou.
Mas,
se assim fosse, seria fácil separar o processo de elaboração de uma estratégia
da gestão diária de uma empresa. O líder teria apenas de a conceber uma vez, ou
contratar um consultor para a conceber e assegurar-se que seria genial. E,
sendo assim, o estratega não teria de se preocupar com o modo como a
organização vai de um ponto a outro – o grande desafio da execução – ou como
rentabilizaria a aprendizagem que acumula pelo caminho.
Mas
não é assim.
O
que ficou esquecido é o facto de a estratégia não ser nem um destino nem uma
solução. Não é um problema a ser resolvido e fixado. É uma viagem. Requer
liderança contínua, não intermitente.
Precisa
de um estratega.
As
boas estratégias nunca ficam cristalizadas – sinalizadas, seladas e entregues.
Independentemente do cuidado com que foi concebida, ou de ser bem implementada,
qualquer estratégia aplicada hoje a uma empresa pode vir a falhar se os lideres
a encararem como um produto acabado. Existem sempre aspectos no plano que têm
de ser clarificados. Existirão sempre inúmeras contingências, boas e más, que
nunca podem ser completamente antecipadas. Existirão sempre oportunidades de
aproveitar a aprendizagem que uma determinada empresa foi acumulando ao longo
do tempo.
O
estratega é aquele que deve conduzir este processo contínuo, que tem de
permanecer alerta, identificar e medir, decidir e mudar, vezes sem conta. O
estratega é aquele que tem de declinar certas oportunidades e perseguir outras.
O conhecimento fornecido pelos consultores e as avaliações que são ponderadas
podem ajudar, tal como as perspectivas e a informação das pessoas que integram
uma organização. Porém, no final, é o estratega quem tem a responsabilidade de
estabelecer o rumo de uma empresa e fazer as escolhas no dia a dia, que
continuamente aperfeiçoam o seu curso.
É
por esta razão que a estratégia e a liderança têm de estar juntas no nível mais
elevado de uma organização. Todos os líderes devem aceitar e deter a estratégia
como a essência das suas responsabilidades.”
Cynthia
A. Montgomery enfatiza tal como o temos feito, ao longo dos últimos anos, o
papel essencial da liderança na condução da estratégia e a dimensão nuclear da
estratégia na realização/afirmação do papel da liderança. No nosso ponto de
vista, ignora a capacidade de mobilização que o processo de formulação,
implementação e execução da estratégia confere ao líder quando este partilha
este processo com a sua equipa de gestão.
Na
realidade, “é o estratega quem tem a responsabilidade de estabelecer o rumo de
uma empresa,” mas não é ele que faz as escolhas no dia a dia. Simplesmente,
porque muitas vezes não é possível, nem é conveniente. Estas escolhas são
feitas por vários decisores ao longo da organização, que desejavelmente deveriam
decidir como ele o faria. Para isso, é necessário levar esses decisores a
formular com o líder a própria estratégia – para que a possam apreender, bem
como os pressupostos em que se funda -, permitindo que aqueles decisores se
tornem agentes activos na implementação e na execução e no contínuo aperfeiçoar
do curso da estratégia.